É bem verdade que alguns livros nos incomodam. Não no
sentido pejorativo, quero dizer. Existem aqueles que conseguem, na competência
de seus temas, tocarem em nossas feridas de um modo particular.
Ao receber um
texto em mãos, sempre penso em como proceder na apuração dos temas para a organização
de um texto que reflita, ao menos para o leitor, minhas impressões de leitura e
seus sentidos. Todo um trabalho de costura de idéias que, por vezes, demora
para ser organizado.
Isso não aconteceu
quando li Sementes divinas, de
Lindalva Galvão devido a sua escrita pungente de humanidade. Explorando temas pertinentes
para os dias de hoje, suas situações de vida conseguem colocar em palavras
sensações verdadeiramente vividas e sofridas.
O livro inicia
com uma autobiografia em que conhecemos os percalços vividos pela autora. São
embarques e desembarques em cidades do Vale do Paraíba, retratos do cotidiano
difícil da mãe em seus empregos, a entrada para a ordenação religiosa e o
início da carreira no magistério. Tudo contado com sentimentos latentes que
consegue entremear diálogos e descrições de uma forma testemunhal; o passado é
revisitado tendo em vista um novo futuro. É essa a sensação que mais prezo em
um texto de qualidade: o que foi vivido no passado pode se atualizar no
presente e ser levado para o futuro.
A partir deste
ponto, a divisão dos capítulos sugere um aprofundamento maior de alguns temas
explorados em sua autobiografia. Três deles se destacam: o racismo, a intuição
e a experiência em sala de aula.
O primeiro
deles é narrado através de episódios. À maneira de sketches, alguns momentos são contados revelando atitudes
discriminatórias e desdenhosas de pessoas que, como define a própria autora,
comportam-se como “senhores feudais”. É verdade que o racismo foi adquirido
sócio-historicamente no Brasil, mas isso não justifica, em hipótese alguma,
atitudes preconceituosas. Um tema polêmico, sem dúvida.
Alguns aspectos
psicológicos também são tratados no livro de uma forma leve. A intuição – na
caracterização de situações curiosas – dá ênfase nas “coincidências” do
cotidiano.
Confesso que a
última parte me chamou bastante atenção. Embora se refira à educação de
crianças de um modo particular, os pontos de vista podem ser encarados como reflexões
para a educação de forma geral.
São situações
que só o professor, vivendo a realidade de uma sala de aula, consegue sentir.
Os problemas com pais e responsáveis que refletem na educação dos filhos, a
relações, por vezes, conflituosa de professores e pais, ou professores e
alunos. Um desabafo para questões pontuadas através da aguda observação de
gestos de educadores: cenas de um contexto de trabalho e o rigor de uma
professora comprometida com a educação.
Vale ressaltar
que o modo de tratamento de temas polêmicos pode ser mais importante do que o
tema em si, na sua concretude. Pensando na questão do racismo, podemos realizar
um diálogo, na aproximação de temas e seus desdobramentos, com produções
literárias e (porque não?) cinematográficas que os abordam em um viés
histórico. Exemplos não faltam das páginas dos livros ou dos estúdios de
cinema.
Quando
finalizei a leitura, alguns deles me vieram à mente de forma bastante clara como
A cor púrpura, de Alice Walker; 12 anos de escravidão, de Solomon Northup
e Django livre, dirigido por Quentin
Tarantino pelo retrato da condição escrava e do racismo, logicamente. Todos me
fizeram pensar na condição humana de liberdade, de um ser pensante que exerce
suas funções sociais, independente de seu credo e sua raça.
Acredito que
essa leitura foi uma chave de despertar sentimentos e sensações incômodas. Um
incômodo bastante encorajador para entender a vida, ao vê-la pelos olhos do outro.
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